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V
O relógio já marcava 3 horas da madrugada do dia 25 de Dezembro. Alberto João quis evitar outros contratempos e desligou o despertador da tomada. O único barulho que se ouvia no quarto era o ressonar de Jardim. Barulho esse que foi interrompido pela porta a bater. Barulho esse que não foi suficiente para o acordar, mas que se começou a repetir, sempre com um aumento progressivo de intensidade, até que Jardim acordou e fê-lo a praguejar. Dirigi-se rapidamente à porta para ver o que se passava. Abre-a e depara-se com uma enorme caixa à entrada. Em cima dela estava pousada uma nota de 5 euros.
-NÃO!!!!!!
-Olá Alberto. Leva-me para dentro, está frio cá fora.
Jardim pega na nota e leva-a para dentro.
-Não te esqueças da caixa.
Jardim volta a rua para or buscar a caixa, fazendo todo o percurso a resmungar.
-Ainda estou a sonhar.
-Não! Mentaliza-te que isto é a mais pura das realidades.
-Esta nota não tem nenhuma personagem desenhada. Como é que estás a falar?
-Eu estou escondido atrás de uma das colunas, estou um bocado despenteado, por isso não me quis mostrar.
-Porque é que à bocado mandaram uma nota das mais altas e agora mandara-me a mais baixa?
-Porque ainda estou em vigor. Tinhamos medo de enviar uma nota de 500 euros, porque te podias pôr com ideias tristes.
-Mais um que veio para me faltar ao respeito?
-Claro que não. Eu, tal como o meu tio-avô de 5000 escudos, apenas estamos aqui para te chamar a atenção e dar-te uma chance de salvares a tua vida. Abre a caixa, se faz favor.
Alberto João abre a caixa e nela estavam recortes de noticias de revistas e jornais, todas elas envolvendo-o.
-O que é isto?
-São todas as noticias que sairam sobre ti em 2011. Se tirares todos os recortes vais encontrar uma pen para instalares internet no teu computador para poderes ver o que se diz sobre ti nos mais variados blogs. Olha esta reportagem. Saiu a um mês de ganhares as eleições. Contém um relatório sobre todos os gastos desnecessários que fizeste na Madeira e que contribuiram para o grande buraco orçamental.
-Vocês apenas vieram para me caluniar. Onde estão as coisas boas?
-Claro que há noticias boas. Mas são dificeis de encontrar no meio de tanta noticia negativa.
-Deixa cá ver essa pen. Vamos ver os blogs.
-Claro. Olha este. Produto Oficial Não Licenciado. Há meses que faz troça de ti. Até estás na lista de PONeLeiros do ano. Isso diz muito sobre o que tens feito.
-Bah, mariquices, muitas mariquices!!
-E posso mostrar-te muitos mais como este.
-Eu conheço um que te vou mostrar.
-A sério? Estou curioso.
-Olha, o blog "A Madeira é um Jardim". Este blog fala das coisas positivas que se fizeram durante o meu mandato.
-Claro que fala é escrito por ti no computador da Assembleia.
IV
Alberto João Jardim entra com Vasco da Gama dentro daquela que era a antiga casa de Alberto João Jardim, que se mostra muito assustado com a sua situação.
-Não estejas assustado. Ninguém te vai conseguir ver.
Na sala de estar estava toda uma familia reunida. Pareciam todos muito divertidos e Jardim estava entre eles. O Jardim adolescente, de 17 anos, também ele muito divertido.
-No Natal a minha familia reunia-se sempre para jogar jogos e termos um dia bem passado. O tio Jacinto ficava sempre bebâdo e cantava para nós ao final do dia. Bons velhos tempos.
-Realmente eras muito feliz neste tempo. Hoje passas a imagem dum homem poderoso para as pessoas, mas não passas de um velho revoltado com a vida, na busca de um passado que tens vontade e medo de recuperar. Olha bem para o que vais fazer neste momento.
Jardim fixa o olhar no Jardim de 17 anos. Este jogava ao lado do seu primo Roberto, que estava a controlar a banca. Roberto distrai-se por um instante com as brincadeiras da prima Alcinda, de 4 anos, e Jardim tira 2 notas à banca, gesto que vinha a repetir ao longo da tarde, quer na banca, quer na avó Manuela, também ao seu lado.
-Uma pequena batota, não faz mal nenhum. Está dentro do espirito de jogo. Eu era um bom malandro e ainda hoje mantenho essa faceta.
-Claro que uma pequena batota não faz mal.
-Então para quê toda esta peixeirada?
-Não estou a armar esta peixeirada, como tu lhe chamas, por causa de um pequeno roubo no Monopólio. O problema é que levaste toda a vida como se um jogo de Monopólio se tratasse. Uma pequena nota aqui, uma pequena nota ali e lá foste acumulando até chegar ao topo. A diferença é que no Monopólio fazias bons investimentos.
-Tu não percebes o que dizes bandalho.
-Não precisas de ser assim. Tens de aprender a viver com as escolhas que fazes. Por isso é que, quando te acordei, estavas a dormir numa casa e todos os teus familiares se divertiam noutra casa.
-Tira-me daqui, não estou para ser insultado!
-A minha missão aqui já acabou, estás pronto para voltar a 2011. Mas não te esqueças da mensagem. "... Ontem, hoje e amanhã". Ainda vais receber a visita de dois irmãos meus.
Vasco da Gama e Jardim regressam então a 2011. A nota de 5000 escudos desaparece da mão e Jardim fica sózinho no seu quarto. Volta a deitar-se na cama. Na sua cabeça continuava tudo a ser um sonho...
III
O relógio marcava os últimos minutos do dia 24 e já Jardim dormia na sua cama. Sonhava com euros e com dólares. Até que algo terrível acontece. O despertador toca. Até para uma pessoa má como Jardim é um duro castigo. Jardim acorda sem se aperceber que nem sequer tinha programado o despertador para tocar e carrega no botão "Snooze" e sente um papel em cima do botão. Estranho, visto que ele não se lembrava de ter colocado nada lá em cima. Jardim acende a luz da mesinha de cabeceira e repara que o papel em cima do despertador era uma nota de 5000 escudos. Estava ainda meio a dormir e nos primeiros segundos nem se lembrou de que o escudo já não existia e que aquela nota não devia estar ali. Jardim ouve uma voz:
-Feliz Natal!
Jardim, supostamente sózinho em casa, olha à sua volta mas não vê sinais de vida naquele quarto.
-Aqui na tua mão direita.
Jardim olha para a nota e deixa-a cair no chão, assustado.
-O meu nome é Vasco da Gama, vivo na nota de 5000 escudos.
-Aaaaaaaaaaaa
-Sou o fantasma do Passado, fui enviado para te dar o melhor Natal possível.
-Mas.. Estou a sonhar..
-Não. Creio que foste avisado da minha chegada, enviá-mos um aviso pelo Facebook.
-Um aviso?
-Sim, não leste a mensagem daquela imagem que falava de tesouro e coração?
-Aquela mensagem irritante?
-Sim.
-Aquilo era um aviso?
-Bem, o nosso criativo entrou a semana passada na empresa e ainda não consegue fazer maravilhas.
-Eu estou a sonhar, vou masé dormir.
-Não podes ir dormir.
-Porquê? Eu estou na Madeira. EU MANDO AQUI! EU FAÇO AQUILO QUE EU QUISER!
-Tu estás sob o meu controlo. Fazes o que eu quiser e eu quero ir dar um passeio.
-Queres ver as maravilhosas decorações de Natal que eu comprei?
-Não, vamos dar outro tipo de passeio.
-Que tipo de passeio?
-Um passeio ao teu interior, ao teu passado.
-Para quê?
-Isso tens de descobrir sózinho.
-Não me apetece. Se não te calas vou enviar-te pela sanita a abaixo.
Vasco da Gama morde Alberto João Jardim na mão.
-F****. Pra quê esta m****?
-Pensavas que só usava esta boca para morder? Agora que já percebeste que estás acordado, vamos passear!
E assim foi. Alberto João Jardim vê uma luz verde que se envolve à sua volta e lhe encadeia os olhos. Quando a luz desaparece, Jardim vê-se numa Madeira 60 anos mais nova, uma Madeira que lhe recorda a sua infância.
-Este parece o bairro onde cresci. Onde estamos?
-Estamos no bairro onde tu cresceste.
-Como é que é possível, o bairro foi reestruturado.
-Não estamos em 2011.
-Como assim?
-Estamos em 1960.
(O Conto de Natal do PONL é uma sátira ao Conto de Natal de Charles Dickens)
II
Véspera de Natal. Jardim dá o dia de folga a Alberto Contribuinte. Via nesse dia de folga um possível reforço na relação entre os dois. Mas, para Jardim, tempo era dinheiro e ia passar todo o dia a trabalhar. Haviam várias inaugurações para fazer até à hora da consoada. A primeira inauguração era às 10 da manhã num shopping. Jardim acreditava que ali ainda se poderiam fazer muitas compras de última hora, daí ter exigido a antecipação da inauguração que estava prevista para o primeiro dia de Janeiro. À chegada, Jardim é abordado por dois representantes de uma instituição de solidariedade:
-Boa tarde, sr. Alberto João, o meu nome é Manuel Machado e represent...
-ALTO LÁ!!! Quem precisa dos meus serviços? Hehehe
-Como lhe estava a dizer, Sr. presidente, o meu nome é Manuel Machado e represento a Casa Estrela Sorridente, instituição que apoia famílias carenciadas. Queria pedir-lhe um pequeno contributo para a nossa causa.
-Peço imensa desculpa, mas não vos posso ajudar.
-Mas porquê Sr. Presidente? Estou surpreendido com a sua resposta negativa.
-O nosso dinheiro é pouco e precisamos de trabalhar na evolução da Ilha da Madeira.
-Mas..
-Você tem saído à noite? Aquela iluminação bonita e fantástica não se paga com contributos ou pequenas ajudinhas.
-Sr. Presidente, nós apenas estamos a pedir uma pequena contribuição para a nossa causa, um pequeno acto de solidariedade. Alimentar os mais pobres não é prioritário em relação a um simples shopping ou pavilhão desportivo?
-Claro que sim, mas este dinheiro é importante para a Madeira. Se quer ajuda vá pedir aos bandalhos do Continente que é para isso que eles servem.
-M.. Mas..
-Não me interessa. Orientem-se. Se quiserem posso dar-vos o número do Passos Coelho e podem pedir-lhe todo o dinheiro que quiserem.
-Mas..
-Nem mas! Saiam-me da frente que tenho um shopping para inaugurar! As compras de Natal não se fazem sozinhas.
Alberto João Jardim prosseguiu então para a inauguração do shopping e teve ainda nesse dia dois complexos desportivos e uma rotunda. Às 21 horas Alberto João chega finalmente a casa. Abre a sua página do Facebook e roga pragas a todos os seus amigos que teimam em inundar o seu mural com imagens do 100 Sentimentos. Decide bloquear a publicação de todas as imagens daquela Página, para que estas desaparecessem do seu mural e é o que acontece, com excepção para uma imagem que Alberto João não conseguia apagar apesar das inúmeras tentativas. A imagem continha a mensagem "o verdadeiro baú do tesouro está na caixa toráxica. O teu coração é o verdadeiro tesouro. ONTEM, HOJE E AMANHÃ". Jardim irritou-se e foi dormir, ignorando a data que se estava a celebrar.
I
Dezembro. Época de Natal. As ruas da Madeira eram frias e iluminadas. O investimento tinha sido grande e não havia canto nenhum naquela ilha que não tivesse iluminações de Natal. Há dois meses que os habitantes não sabiam o que era uma rua escura e até os morcegos ali residentes se tinham visto obrigados e emigrar para as ruas escuras do Continente, que a crise impediu de iluminar.
A Madeira era governada há vários anos por Alberto João Jardim, um velho que vivia revoltado com a vida e com o Continente, de quem sempre pediu a independência, sempre sem sucesso. A principal fonte de rendimento da Madeira era a sua paisagem, linda, reconhecida em todos os cantos do mundo. Mas isso não era suficiente para Jardim, que fazia da Madeira um daqueles homens de 30 anos que ainda vive com os pais e, mesmo estando empregado, recebe todos os meses a mesada dos pais, neste caso do Continente.
Alberto João Jardim tinha um fiel empregado, o Joaquim Contribuinte, coolaborador desde o inicio da sua carreira e a garantia de que este continuava a ter o mesmo sucesso político de sempre, apesar de nem sempre estar de acordo com os seus actos. A verdade é que a relação de Jardim e Contribuinte já tinha conhecido melhores dias. Joaquim tinha 4 filhos, um deles gravemente doente, a pequena Carteira. Contribuinte trabalhava dia e noite sem parar por uns míseros euros e nunca tinha tido uma boa vida. Apenas podia contar com o amor da sua familia.